sábado, 7 de agosto de 2010

A noite


Ela estava aflita, necessitava vomitar todas aquelas palavras que lhe faziam mal, olhou para o braço, mas esqueceu o relógio em casa.
"Droga" - Disse em voz alta. Mas o que isso importava? A hora não importava, ela sabia que já era tarde, a escuridão dominava as ruas, e a solidão também.

Infelizmente aquele não era seu dia, havia sido demitida, e agora tinha chegado atrasada para confessar o que ela tanto queria.

"Melhor assim." - Pensou, e sentou-se na guia da calçada. O que faria agora? Era a pergunta que se fazia, sem conseguir obter respostas.

"Eu deveria ter ficado em casa, eu deveria." - Levantou-se e agora falava irritada a cada passo que dava. Na pressa de sair de casa, tinha esquecido tudo, pegou apenas uma carteira pequena achando que tinha dinheiro, mas agora percebia que a única coisa que tinha, era os R$ 0,50 do troco que havia sobrado, da cédula que entregou no ónibus.

As ruas eram desertas, e apenas podia-se ver as luzes dos postes iluminando o caminho, o frio era intenso e ela cruzou os braços para se esquentar. Andava apressadamente, teria que voltar a pé para a sua casa, ódio, era isso o que ela sentia, ele nunca mereceu o seu amor, não precisava saber dele também, nunca precisou saber, ela que era uma idiota, dizia para si mesma.

Não há nada pior do que ser o próprio juiz, não há pena maior do que quando nos condenamos. A revolta lhe dominava.

Virou a esquina, e sentiu necessidade de voltar, quando viu um homem, de terno preto parado, encostado em um poste mais a frente, ele a olhou, e deu um sorriso. O frio percorreu o seu corpo, mas agora, era um frio de pavor, queria voltar e começar a correr, mas seria muito arriscado, resolveu prosseguir, seria melhor.

Ao passar pelo homem abaixou a cabeça, e continuou andando, como se não o tivesse visto.

"- Sozinha por essas bandas?" - Ele perguntou.

Ela no entanto, não parou, não olhou para trás, apenas prosseguiu, aumentou os passos, mas quando olhou para o lado o homem estava lá. Gritou apavorada, e em seguida começou a correr.

"- Me deixa em paz."

Estava assustada, queria chegar em casa o mais rápido possível, mas sua casa era longe, e o medo tomava conta de si. Olhou para trás, não viu o homem, parou para tomar fôlego, o ar invadia seus pulmões como se estivesse rasgando o seu peito, estava cansada, tinha corrido muito.

"- Não é bom para você, ficar correndo de noite por essas ruas." - A voz do homem era calma, meia irónica. Novamente ela sentiu seu corpo estremecer. Ao vira-se o homem estava na sua frente, encostado ao poste, como na primeira vez que ela o viu.

"- Quem é você?" - Perguntou assustada.

"- Isso não importa." - Ele respondeu "- A pergunta é: Quem é você?" - A luz do poste iluminava o seu corpo, era um homem forte, alto, ela não teria chances, aquela rua era totalmente comercial, e todas as lojas já estavam fechadas.

" Preciso de um segurança." - Pensou.

"- Não existe seguranças aqui." - Ele respondeu.

Ela olhou amedrontada, seus olhos entregava a sua insegurança, o seu pavor e a sua angustia.

"- Por favor, eu não tenho dinheiro, deixe-me ir, não faça nada comigo." - Sua voz saia apressada.

"- Eu não preciso de dinheiro, não usamos ele de onde eu vim."

"- A cadeia" - Pensou ela, lá eles não usam dinheiro.

"- Pode ser." - Disse ele com um sorriso.

Sua vontade era de correr, queria correr o máximo possível, mas o seu corpo não respondia. Sua pernas estavam tremulas, temia o que podia acontecer.

Ele deu um passo em sua direção.

"- Por favor, por favor." - Ela olhou para trás, correr não adiantaria, ele lhe pegaria facilmente, como uma presa.
"- E qual o seu nome? Você não me respondeu." - A voz do homem continuava calma, não demonstrava nenhum sinal de raiva.
" - Isso não importa também."

"- Que pena, eu estou tentando ser simpático."

A cada vez que ele avançava, ela dava um passo para trás, pensou mil coisas, ele iria lhe pegar, matar com toda a certeza, depois de fazer o que quisesse.

"- Já pensou que o ódio nasce do amor? " O homem perguntou seriamente, ela porém, olhou sem entender. "- Era isso o que o meu pai sempre me dizia." Continuou ele, como se estivesse falando sozinho. "- Odiamos alguém quando o amor não cabe mais no nosso corpo, quando transborda,, quando o amor nos machuca... Você odeia ele não odeia?." Sua voz agora parecia hipnotiza-la.

Não sabia o motivo, no entanto, agora sentia o ódio dominar o seu corpo, odiava, odiava como nunca havia odiado alguém.

"- Sim, odeio" - Respondeu com raiva.

"- Boa menina."
- Disse o homem com um sorriso.
Sentia tanta raiva, que se tivesse tido a ideia avançaria nele e o extiminaria ali mesmo, mas a única coisa que conseguia fazer era recuar, ao dar um passo para trás, sentiu seu corpo tocar em uma parede, quis segurar-se, mas suas pernas tremulas a fizeram tropeçar, ele porém não a segurou, e ela caiu. Ouviu a sua risada, uma risada que ecoou por toda a rua, ela tentou se levantar, mas não conseguia, apoio seus braços no chão, mas todo seu corpo estava tremulo, caiu novamente. Depois sentiu uma pancada na cabeça.

"- O que está acontecendo?" - A dor tomou conta, queria levantar-se, correr, mas sua cabeça doía, suas pálpebras pesavam, e aos poucos entregou-se ao cansaço e adormeceu.


Acordou assustada em seu quarto, quanto tempo havia dormido? Sua cabeça ainda doía, tentou se lembrar do que tinha acontecido, algumas cenas lhe vinheram a mente, levantou assustada.

No espelho que ficava de frente, um papel preto, escrito:

"- Não foi sonho, apenas aguardarei outra oportunidade."

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